terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O psicodiagnóstico

Há muitas críticas no que concerne ao diagnóstico psiquiátrico, alguns consideram sem valor, devido à singularidade dos indivíduos (realidade única e inclassificável), outros afirmam que serve apenas para rotular pessoas diferentes. Contudo, sem um diagnóstico psicopatológico apropriado não se pode compreender o paciente e seu sofrimento e, consequentemente, não se pode escolher a estratégia terapêutica mais adequada, o diagnóstico está muito além de “rotular” um paciente. 


O diagnóstico não pode ser feito através de mecanismos causais supostos pelo entrevistador e, sim, através da observação de sinais e sintomas apresentados pelo paciente no momento da entrevista. Esse tipo de diagnóstico mais confunde do que esclarece, um mesmo sintoma pode fazer parte diversos quadros clínicos, o entrevistador ao tomar uma “decisão” dessa forma, está se induzindo ao erro. É necessário manter duas linhas de raciocínio: a descrição evolutiva e atual dos sintomas e a etiologia, que busca dados psicológicos, biológicos e sociais. Em psicopatologia, o diagnóstico só é possível com a observação do curso da doença, diferentemente das outras áreas da medicina em que o diagnóstico é feito e um prognóstico é estabelecido, muitas vezes na psicopatologia é preciso mudar de via e reformular o diagnóstico inicial, ao observar a evolução do caso. O diagnóstico psiquiátrico deve ser pluridimensional, identifica-se os transtornos, avalia-se as condições físicas e possíveis comorbidades, avalia-se a personalidade, o nível intelectual, a rede de apoio e os fatores ambientais desencadeantes e protetores (numa linguagem comportamental, as contingências).
A confiabilidade (reprodutível) do diagnóstico depende da possibilidade daquele diagnóstico ser o mesmo, a partir de diferentes técnicas, com examinadores distintos ou em diferentes momentos. A validade (o mais próximo possível da “verdade” diagnóstica) concerne à capacidade de conseguir captar, identificar ou medir aquilo que realmente se propõe. É necessário, então, se utilizar de meios e técnicas bem aceitas e reconhecidas. A Sensibilidade diz respeito à identificação de casos verdadeiros e a especificidade a identificação de verdadeiros não-casos. O ideal é que o diagnóstico possua todas essas características.


Os principais campos e tipos de psicopatologia



Há uma série de correntes na psicopatologia, que abordam de maneiras diferentes a doença mental. Até que ponto isso poder bom ou ruim?
Comparação

1)      Psicopatologia descritiva (ênfase a forma) x Psicopatologia dinâmica (ênfase ao conteúdo)
2)      Psicopatologia médica (noção de homem baseada no corpo, no ser biológico como espécie natural e universal. Doença mental adoecimento do cérebro)x Psicopatologia existencial (modo particular de existência, uma forma trágica de ser no mundo, de construir um destino, um modo particularmente doloroso de ser com os outros)
3)      Psicopatologia comportamental-cognitivista (aborda a psicopatologia a partir de uma dimensão biológica, psicológica e social, o ser humano não é pré-determinado, tem predisposições biológicas e genéticas ao aprendizado, ou seja, considera as atividades cerebrais, que interagem com o social. Os sintomas resultam de cognições disfuncionais, que começam a se delinear na infância (crenças centrais), ou seja, a forma de interpretar as situações são “aprendidas” e atuam como um “óculos” ( o indivíduo coloca o óculos para interpretar as situações). x Psicopatologia psicanalítica (o homem é “determinado”, dominado por forças, desejos e conflitos inconscientes. O sintoma é uma “solução de compromisso” com o que é aceito socialmente e os desejos que não podem ser realizados)
4)      Psicopatologia categorial (fronteira nítida, configurando-os como entidades ou categorias diagnósticas diferentes e discerníveis na sua natureza básica) x Psicopatologia dimensional (seria hipoteticamente a mais adequada à realidade clínica. Não haveria uma classificação dicotômica como na categorial. Sintomas comuns estariam em um espectro)
5)      Psicopatologia biológica (enfatiza aspectos cerebrais, neuroquímicos ou  neurofisiológicos das doenças e dos sintomas mentais) x Psicopatologia sociocultural (comportamentos desviantes que surgem a partir de certos fatores socioculturais, como discriminação, pobreza, migração, etc.)
6)      Psicopatologia operacional pragmática (não são questionadas a natureza da doença ou do sintoma e tampouco os fundamentos filosóficos ou antropológicos de determinadas definições, são exemplos desse modo de abordar a psicopatologia a Cid 10 e DSM-V) x Psicopatologia fundamental (visa centrar a atenção da pesquisa psicopatológica sobre os fundamentos de cada conceito psicopatológico, pode ser transformado em experiência e enriquecimento)



Diante do leque de possibilidades, é preciso haver um senso crítico por parte do profissional em relação àquilo que traz o bem-estar ao paciente, e não ficar meramente em convicções pessoais. É o que tem acontecido, a psicologia tem caído no descrédito em relação a outros profissionais que atuam de forma interdisciplinar, assim como na visão da população.  Tem sido vista como uma profissão inócua, que usa de pouca ou nenhuma objetividade, relegando sempre aos demais profissionais a responsabilidade de intervir. Cumpre ressaltar, que é possível haver uma combinação de “procedimentos” da psicologia com a parte biológica/ médica e social. Não é preciso relegar outras abordagens (o que é costumeiro entre os psicólogos, desconsiderar os conhecimentos de outras áreas, como a medicina e a biologia, por exemplo) a boa prática em saúde mental implica na combinação hábil e equilibrada de uma abordagem descritiva, diagnóstica e objetiva com uma abordagem subjetiva, que considere os valores humanos, e a voz do paciente, sem reduzi-lo a um rótulo e a aplicação de técnicas fora de contexto.

Normalidade em psicopatologia



Quadro 1.1 - O Conceito de normalidade em VÁRIAS áreas da saúde mental,
Psiquiatria Forense legal 
Epidemiologia Psiquiátrica
Psiquiatria e etnopsquiatria cultural
Planejamento em Saúde e Políticas de saúde mental,
Orientação e Capacitação Profissional
Prática Clínica
Implicações legais, criminais e éticas na vida Há de hum individuo considerado Como "anormal"
Pode ser tanto um Problema, quanto um objeto de trabalho e pesquisa, podendo contribuir para à discussão e o aprofundamento do conceito
 Análise do conceito sociocultural (estudo do fenômeno patológico e contexto social, no qual o fenômeno emerge).
 Aqui é necessário estabelecer critérios de normalidade, para que se possa verificar as demandas e necessidades de serviço a qual devem ser oferecidas ao grupo
Capacidade e adequação para um indivíduo exercer determinada profissão (dirigir, portar armas)
Analisar se faz parte de um momento existencial do indivíduo ou se é algo genuinamente patológico
Pode-se usar vários critérios de normalidade, dependendo do objetivo almejado. Na área da psicopatologia, a meu ver, a normalidade funcional e como processo, atingem o objetivo de forma mais ampla. Esse ponto vai variar de acordo com os fenômenos os quais se trabalha e da postura filosófica do profissional. Mas, é preciso, sobretudo uma postura permanentemente crítica e reflexiva.

Quadro 1.2 - Critérios para abordar a normalidade
Normalidade como ausência de doença
Normalidade ideal
Normalidade estatística
Normalidade como bem-estar
Aquele indivíduo que não é portador de um transtorno mental definido. É considerado um critério falho por abordar a normalidade não pelo que ela é e, sim, pelo que ela não é.
É uma norma socialmente constituída de forma arbitrária, como ideal, sadio ou mais “evoluído”
Norma e frequência.
Falho, pois nem tudo o que é frequente é considerado saudável ou bom.
Definição da ONU (1946) de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença. Falho por ser muito amplo e pouco objetivo.
Normalidade funcional
Normalidade como processo
Normalidade subjetiva
Normalidade como liberdade
Normalidade operacional
O fenômeno é considerado patológico a partir do momento em que é disfuncional, e produz sofrimento para o indivíduo ou grupo social ao qual faz parte
Considera aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das desestruturações, reestruturações ao longo do tempo, de crises, de mudanças próprias a certos períodos etários.
Percepção do indivíduo em relação ao próprio estado de saúde. Falho, uma vez que pode “mascarar” transtornos mentais graves, é o caso de uma pessoa em fase maníaca que se sentem saudáveis e felizes.
Alguns autores propõe a doença mental como perda da liberdade existencial. Nesse caso, a saúde seria o inverso, a possibilidade com graus distintos de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio destino.
Defini-se a priori o que é normal e o que é patológico, e busca-se trabalhar operacionalmente com esses conceitos, aceitando as consequências de tal definição. Considerada arbitrária

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Psicopatologia e a ordenação dos seus fenômenos



A Psicopatologia, de uma maneira ampla, pode ser definida como o conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental .  É um conhecimento que visa ser científico, desse modo se empenha para ser sistemático, elucidativo e desmistificante. Entre outras características primordiais para o conhecimento científico como: não utiliza de juízo de valor, dogmas, nem considera verdades, estando sempre sujeito a revisão, críticas e reformulação. Possui uma vertente médica e outra humanística (psicológica), mas é, sobretudo, uma ciência autônoma, e não um prolongamento da neurologia ou da psicologia.
De modo geral, os sintomas psicopatológicos são estudados quanto à sua FORMA E CONTEÚDO. Forma se refere à estrutura básica, o que há de comum nos diversos pacientes (alucinação, delírio, labilidade afetiva). Já o conteúdo é tudo aquilo que preenche a alteração estrutural (conteúdo religioso, de culpa, etc), vai depender da história de vida de cada um, personalidade e universo cultural. De maneira geral, os conteúdos dos sintomas estão relacionados aos temas centrais da existência humana (sexualidade, morte, doença, etc.).
A ORDENAÇÃO DOS FÊNOMENOS EM PSICOPATOLOGIA: normalmente, distinguem-se três tipos de fenômenos humanos para a psicopatologia: 1) fenômenos semelhantes (fome, sede, sono); 2) fenômenos em parte semelhantes em parte diferentes (o homem comum experimenta, mas apenas em partes se assemelha ao que um doente mental vivencia. Tristeza x Depressão) e 3) fenômenos qualitativamente novos, diferentes (próprios a certas doenças e estados mentais – alucinações, delírios).

Introdução à semiologia psicopatológica

Este resumo é embasado no capítulo “Introdução geral à semiologia psiquiátrica” de Dalgalarrondo (2008). Primeiramente, é importante entender o significado de semiologia, que em um sentido amplo é definida como a “ciência dos signos” e não está restrita a uma área do conhecimento em específico. Dentro da semiologia, há a semiologia médica que diz respeito ao estudo dos sinais e sintomas que permite ao profissional avaliar e inferir um diagnóstico, assim como, o tratamento adequado. Para os psicólogos, é de especial interesse a semiologia psicopatológica, que estuda os sinais e sintomas dos transtornos mentais.
O signo é o elemento central da semiologia, por ser um sinal dotado de significação. Na psicopatologia, os signos de maior interesse são os sinais comportamentais objetivos, verificáveis através observação direta do profissional ao paciente, e os sintomas (vivências subjetivas, queixas, narrativas, relatadas pelo paciente).

De acordo com o filósofo Charles Peirce há três tipos de signos:
1)      O ícone: o elemento significante evoca imediatamente o significado;
2)      O indicador (índice): a relação entre o significante e o significado é de contiguidade; o significante é um índice que aponta para o objeto significado;
3)      O símbolo: aqui o elemento significante e o objeto ausente (significado) são distintos em aparência e sem relação de contiguidade. Não há qualquer relação direta entre eles, trata-se de uma relação puramente convencional e arbitrária.
Nessa perspectiva, “os sintomas psicopatológicos têm, como signo, uma dimensão dupla eles são tanto um índice como um símbolo” (p. 26). Por não ser tão objetivo quanto é o ícone que denota diretamente o significado.
A semiologia pode ser dividida em:
1)      Semiotécnica: se refere às técnicas e procedimentos específicos de observação e coleta dos sinais e sintomas, assim como a descrição de tais sintomas (através de entrevista, observação, etc);
2)      Semiogênese: é o campo de investigação da origem, dos mecanismos, do significado e do valor diagnóstico e clínico dos sinais e sintomas.

SÍNDROMES E ENTIDADES NOSOLÓGICAS

Síndromes são “agrupamentos relativamente constantes e estáveis de determinados sinais e sintomas”. Já as entidades nosológicas, que pode também ser chamada de doenças ou transtornos específicos são “os fenômenos mórbidos nos quais podem-se identificar certos fatores causais, um curso relativamente homogêneo,  estados terminais típicos, mecanismos psicológicos e psicopatológicos característicos, antecedentes genético-familiares e respostas a tratamentos mais ou menos previsíveis”. A entidade nosológica possibilita o desenvolvimento de procedimentos terapêuticos e preventivos mais eficazes. Contudo, apesar do empreendimento no estudo das entidades nosológicas, em psicopatologia trabalha-se mais com síndromes, por não se tratar, ainda, da definição e da identificação de causas específicas de uma natureza essencial do processo patológico. Em psicopatologia, é muito difícil traçar algo com precisão, como nas ciências exatas.